01/11/2011

~~Conceitos ilusórios

A xícara repousava sobre a mesinha de canto. A luz entrava incandescente pela fresta da janela fechada.
Era dia do lado de fora. Sempre era. Até quando era noite era dia. Fazia-se dia.
 Dentro da casa não.  Lá dentro era sempre alguma coisa, menos claro, menos luz.
A asa da xícara apontava para fora, como se indicando que havia mais há ser visto do outro lado, mas essa idéia era de extremo mau-gosto. Soava quase como uma ofensa.
Respirar já era difícil ali dentro, imagine só do lado de fora. Com tanta luz, tanto ar e tanta cor.
Não que ela procurasse pela tristeza, não! Mas porque fingir sempre alegria diante das cores que a vida apresenta? “Talvez todas as cores sejam só formas ilusórias de enxergar o preto e o branco.” – Pensou.
Sempre maquinando conceitos ilusórios, acreditando no céu azul-lilás, no relógio de luz verde cintilante como um portal mágico, numa possibilidade de haver vida (e viver) num intervalo entre o tempo, nas vozes que ecoavam de alguma parte da casa, nos muros que alcançavam as nuvens, nos vestidos coloridos com tons inesgotáveis, nas fadas sentadas nos caules das árvores, sempre reunidas para o café da manhã. Acreditar no inabalável, no possível, no provável e no amor. Puro e sem cobranças. Sem desejo de retribuição. Sem maiores vontades.
Acreditar no tão desacreditado, em si, como forma de se manter de pé. Se segurar a fios de vida e se nutrir por eles como pequenos cordões umbilicais, micro-cordas invisíveis e pulsantes (e com toda licença, fazem pulsar).
Tic-tac maldito que controla descontroladamente tudo o que cerca o que até então se conhece por mundo.
Mundo real (grifa-se) se se acredita em algo, ao menos para a pequena parcela que acredita ele existe. E ela acreditava! Acreditou sempre com tamanha força e estranheza que não sabia mais separar o eu do outro, o outro do eu, o mundo do não-mundo que já havia se tornado mundo também a essa altura. E todas as tentativas de explicar o que quer que seja haviam se derretido como sorvete em dia quente.
Do parquinho ainda abandonado viam-se as estrelas que a cada dia brilhavam menos, mas ainda ocupavam seu lugar no céu. Provavelmente a névoa que as flores de chocolate exalavam fosse tão palpável quanto uma nuvem. Nuvem pesada que cobre/encobre.
Ainda quando se ouvia sobre as violetas tudo o que vinha em mente era a lama.
Os pés afundados em alguma parte do canteiro entre o portão e a casa. A escada, o chão.
...
E a xícara permanecia maliciosa apontando para o lado de fora, pro-vo-ca-ti-va. Invasiva. Risonha! Pedindo, implorando (como quem faz suas preces ajoelhadas, pois a fé de quem se ajoelha parece sempre ser maior do que a de quem cala de quem senta, ou de quem permanece de pé.), buscando inesgotavelmente se mostrar presente. Por tantas vezes ali, naquele copo de barro parecia haver mais vida que na própria vida. E porque não haveria de ter?
As pessoas atribuem significados engraçados as coisas, tentam explicar tudo, como se tudo realmente precisasse de explicação.
Mas ali, naquela casa no meio do nada, o mundo poderia se resumir àquela xícara. Assim como a menina poderia ser o mundo.
Todos os sentimentos pareciam ser distintos e toda a distinção parecia fazer parte de uma coisa só. Todos eram pecadores e deuses. Todos eram senhores da verdade e da mentira. Decidiam ali o que era enfim o certo e o errado.
E esse prazer (visceral) era sem dúvida o maior presente que ela já havia ganhado.
SENTIR, assim gritado, com todas as letras maiúsculas, porque se fossem em minúsculas diminuiria o seu valor e certamente se perderia dentro de um significado que foi erroneamente posto. Atribuído.
Essa era sem dúvida a sua dádiva e seu castigo eterno.
E era de medo que ela se banhava, medo viscoso, que prende e aprisiona, embora o mesmo medo que assusta, fosse sem tamanho de tão feliz, pois só através dele que se abria espaço para o novo e para o prazer de também ser deus naquele instante.
Porque blasfêmias sempre são ditas, oras!
E finalmente a menina havia se dado conta de que a maior delas era insistir na vida.





Cheiro do dia: Não sei o cheiro, mas o gosto era quente!!!

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